sábado, 22 de março de 2014

A menina ensolarada do Bairro Feliz


   



É impossível não ser feliz no Bairro Feliz, lá onde mora a menina dos cabelos de sol. Em duas casas é que ela vive, uma em cima da outra, de outra forma não caberia ali seus fios de sol que crescem por todos os espaços. São duas casas para caber seu coração, amor e luz. Junto à ela vivem Gita, Osho, Lacombe, Ganesha e Dandara e eu. Eles estão dançando em nossas cabeças ao toque dos Orixás. Eu estou meticulosamente enroscada e aquecida pelos fios de sol, dos cabelos de sol, da menina iluminada do bairro feliz. Na casa da menina luz, cada pedaço de madeira, retalho de colchas, vela e retrato carregam estórias, algumas delas sangram. Como a do rapaz que ela deixou na estrada do tempo, soltou sua mão ainda que levasse o amor, pois ele não tinha olhos de receber tanta luz ou das crises de choro de sua avó, por um milagre ao avesso, a senhora teve seu presente eternamente costurado à cortina do passado.
O mundo da menina dos cabelos de sol não é o seu e nem o meu, mas em uma tarde engraçada ela me estendeu a mão e me falou em uma língua que criara em segundos:

- Vem!

Eu fui.

Ela disse: - Fica!

Eu armei minha tenda.
       
      Passamos noites inteiras rindo, dançando ou chorando. Vez ou outra ela só me escuta, me escutando vive cada pontada, dor e arrepio que vivi, nesses momentos sou a pessoa mais compreendida de todo o mundo, feliz de mim. 
     Há noites em que ela dorme, e os planetas, as flores, as ervas se alinham em simetria oracular.
     Há noites em que ela dorme comigo, o corpo descansa e os espíritos saem a cantar. 
     Há noites em que ela voa.         
     Quando me fala, é sempre nessa língua nascida de seu nome, renascimento e halo de luz. Só eu posso ouvir.
     Todos enxergam uma bela menina-mulher, toda flor, perfume e desejo. Eu a enxergo, a menina dos cabelos de sol, ela também tem medo e chora e arde, mas ninguém sabe, só eu. 
     Se a noite é cheia de lua e vento saímos para pintar a cidade, tocar macumba e fumar palheiro, mas sempre voltamos para o bairro feliz. 
Estamos gargalhando há séculos e reconstruindo a vida e parindo crianças-verbo. Não há pactos, nem juramentos, nós existimos, nos existimos. Eu e a menina do cabelo de raios de sol, eu e a menina iluminada, a menina luz.
                                                                                                                                                        

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