quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Leão e o baile preto


De onde estava o Leão, quando o baile preto começou,
pude ver sua boca rio como o Nilo, pintar a ponta do meu dedo.
Desse lugar saltava luz, das duas bolas de noz curiosas em lugar de olhos.
As linhas de vidas dos cabelos caracóis que resistem, e se enrolam em todo o meu corpo.
Imediatamente, meus poros reconhecem o cheiro do Leão e as linhas atravessam minha pele.
Era um Leão preto. Do lugar onde estava quando o baile começou, uns olhavam com medo, outros estavam em transe, alguns o odiaram por tamanha beleza.
A boca rio gigante escolheu pintar o meu dedo, enroscar os fios em minha pele, se colocar em minha guarda. Ele se encontra em todos os lugares, na constância de sua morada em mim.
A noite avançava e um mundo de olhos se voltou para nós, Leão príncipe preto, além de me prender, levou-me ao centro do baile e comigo dançou como se fosse rei.
Seguimos do lugar onde ele estava no baile e desde então, Leão se colou à minha pele e nunca mais deixei de sê-lo, ainda que às vezes eu seja sua mãe, irmã, filha ou apenas criança andando feliz, acompanhada por seu amado Leão preto

Vem em versos,
na língua
Rouba o tempo do tempo
e diz a Exu que o tenha,
pois que seu falo é vida!

Não aquela que se ergue abrupta,
em forma de poder
mas a que vem no amor, na doçura da dança,
no veludo da voz.

Te jurei, Leão:

Pequeno gigante,
Orgulho de mãe,
Criança negra,
negra,
negra,
como o céu negro e meu coração.

Escreveu seu nome no centro da minha orelha
Sangramos

E Leão caminha levando beleza,
pintando palavras de preto

A ponta do meu dedo colada em sua nuca
Nós, ligados pelo horizonte acima de seus olhos

O menino leão em minha história


Acena, a cena, o nosso sangue preto.






sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Como se lágrimas fossem chuva













Como se houvesse voz na estrada, e o passo não fosse previsto, cantado feito pedra por uma feiticeira brincalhona.
Como se não houvesse o sonho de uma noite de sol e lua cheia, um terraço, uma janela-pintura, o céu metade preto - nuvem densa lua cheia - e o sol... Escandaloso!
E o calor na verdade fosse gentil e fizesse as nuvens se descolarem com leveza do asfalto, e evaporarem rumo ao céu e subirem reluzentes com um rabinho encantador.
Como se nesse momento, pingos de chuva caíssem bem fortes e imediatamente todos saíssem de suas casas e se pusessem a dançar.
Como se houvesse terraço e eu brincasse na chuva e meu grito fosse doce e escutável.
Como se não houvesse rapaz, e nem papel em sua boca, e palavra não pudesse ser dor e homens não pudessem matar.
Como se não houvesse sempre um olhar entrecortante sobre mim e minha menina.
Como se minhas crianças tivessem pais, e seus olhos não fossem perdidos, e não tomassem pílulas de matar felicidade, e não me abraçassem como se quisessem se libertar ou me libertar.
Como se não houvesse: tempo, relógio, doença, dinheiro, data, papel.
Como se noite fosse só noite e dia fosse só dia, como se soubéssemos pintar.
Era quase meia-noite, acordei, como se lágrimas fossem chuva.